A título póstumo, dedico este post ao zeloso e fiel empregado Luís, que dedicou, por mais de 10 anos, todas as suas forças e energias ao serviço do meu padrinho, em particular, e de minha familia, em geral, e que foi covarde e brutalmente assassinado e enterrado no seu local de trabalho. Paz a tua alma, Lulu!
Mal o sol despontou, um cortejo de mulheres, das zonas suburbanas, se dirige apressada à paragem de chapa ou machimbombo mais próxima: o objectivo é "apanhar" os primeiros carros. Se for o autocarro, melhor, assim terão direito ao bilhete de ir e vir, que se compra imperativamente antes das 7 horas. Este exército, de jovens e mulheres maduras, tem como destino a zona de cimento e betão. São as nossas empregadas domésticas.
Conforme o contrato, fatalmente verbal, excepto raríssimas excepções por parte de estrangeiros e de alguns nacionais, os horários de entrada variam entre 6h e 7h30, de modo a que estas possam preparar o pequeno-almoço e endireitar a roupa dos patrões, preparar e acompanhar os petizes à escola ou creche ou então ficar com eles em casa visto que os pápás vão trabalhar.
Logo, logo, estas mulheres entram na roda viva que é o seu trabalho laboral: lavar, varrer, escovar, limpar, comprar, arranjar, organizar, pagar, cozinhar, engomar, coser, levar, buscar, levantar, sacudir, ... initerruptamente até, no minímo, 17h, sem pausa, sem sequer uma folga tranquila até para comer algo! Sim, senhor, não restam dúvidas, estas mulheres trabalham que se farta.
Em algumas casas, para que os patrões não se chateiem com os atrasos "por causa dos chapas ou do tráfego que era grande, sinhora", as empregadas tanto das rendodezas como lá da terra dormem no local de trabalho, não vá o Diabo tecê-las. Para esse grupo, o dia começa mais cedo ainda e só termina quando todo o mundo vai dormir. Imagine-se se a "sinhora" estuda à noite ou se o patrão, professor algures, em biscatos e tricatos, exige comida quente ao jantar!
As empregadas domésticas, por força de sua actividade, são melhor conhecedoras do lar do que as próprias donas de casa. Frases como "Dona manhane*, onde está a minha blusa bege?". Bege? Se deve questionar a empregada doméstica, é prova disso. Há também empregadas que pelo seu ganha-pão acabam chocando com as suas tradições culturais pois são literalmente obrigadas a lavar as roupas intímas da senhora, mesmo as que dona madame suja com as regras mensais, sublinhe-se, numa total falta de respeito para com estas.
Noutras casas, de uma certa casta da sociedade, os empregados, para além de lá dormirem, só labutam entre a hora de levantar dos patrões (supomos 6h) e a hora de abrir a loja (imagine-se que abram às 8h30, então até às 8h). O segundo período de trabalho ocorre entre o fechar da loja (para a ida à mesquita e a pausa do almoço) e o regresso para a reabertura, no período da tarde. O terceiro e último período ocorre a partir do fecho da loja (entre 18h e 20h) até a hora em que os patrões se vão deitar (sabe-se lá a que horas!!!).
Durante esse entretanto, de ciclos de trabalho diário, os empregados por serem considerados, sem motivo comprovado, ladrões, ficam confinados à espaços limitados, geralmente varandas traseiras, vão de escadas ou na parte traseira das carrinhas dos patrões, muitas vezes sem condições para satisfazer as suas necessidades fisiológicas básicas, quer sejam as necessidades menores ou maiores como beber um copo de água. Já agora, em que dimensão fica esta última necessidade vital?
Como se não bastasse actos poucos desabonatórios para com os hábitos culturais desta gente e para além de labutar mais do que o tempo que é humanamente possível e aceitável, esta classe de trabalhadores (nem vale a pena aludir aos salários, que são uma vergonha), quando adoence, mesmo que justifique convenientemente (ainda que seja verdade que um atestado médico se compra nos hospitais), lhe é cortado o magrérrimo salário e não usufrui dos direitos morais de uma licença de parto e de férias com vencimento e de um subsídio de nojo, em caso de falecimento de familiar directo.
*fulana
Mal o sol despontou, um cortejo de mulheres, das zonas suburbanas, se dirige apressada à paragem de chapa ou machimbombo mais próxima: o objectivo é "apanhar" os primeiros carros. Se for o autocarro, melhor, assim terão direito ao bilhete de ir e vir, que se compra imperativamente antes das 7 horas. Este exército, de jovens e mulheres maduras, tem como destino a zona de cimento e betão. São as nossas empregadas domésticas.
Conforme o contrato, fatalmente verbal, excepto raríssimas excepções por parte de estrangeiros e de alguns nacionais, os horários de entrada variam entre 6h e 7h30, de modo a que estas possam preparar o pequeno-almoço e endireitar a roupa dos patrões, preparar e acompanhar os petizes à escola ou creche ou então ficar com eles em casa visto que os pápás vão trabalhar.
Logo, logo, estas mulheres entram na roda viva que é o seu trabalho laboral: lavar, varrer, escovar, limpar, comprar, arranjar, organizar, pagar, cozinhar, engomar, coser, levar, buscar, levantar, sacudir, ... initerruptamente até, no minímo, 17h, sem pausa, sem sequer uma folga tranquila até para comer algo! Sim, senhor, não restam dúvidas, estas mulheres trabalham que se farta.
Em algumas casas, para que os patrões não se chateiem com os atrasos "por causa dos chapas ou do tráfego que era grande, sinhora", as empregadas tanto das rendodezas como lá da terra dormem no local de trabalho, não vá o Diabo tecê-las. Para esse grupo, o dia começa mais cedo ainda e só termina quando todo o mundo vai dormir. Imagine-se se a "sinhora" estuda à noite ou se o patrão, professor algures, em biscatos e tricatos, exige comida quente ao jantar!
As empregadas domésticas, por força de sua actividade, são melhor conhecedoras do lar do que as próprias donas de casa. Frases como "Dona manhane*, onde está a minha blusa bege?". Bege? Se deve questionar a empregada doméstica, é prova disso. Há também empregadas que pelo seu ganha-pão acabam chocando com as suas tradições culturais pois são literalmente obrigadas a lavar as roupas intímas da senhora, mesmo as que dona madame suja com as regras mensais, sublinhe-se, numa total falta de respeito para com estas.
Noutras casas, de uma certa casta da sociedade, os empregados, para além de lá dormirem, só labutam entre a hora de levantar dos patrões (supomos 6h) e a hora de abrir a loja (imagine-se que abram às 8h30, então até às 8h). O segundo período de trabalho ocorre entre o fechar da loja (para a ida à mesquita e a pausa do almoço) e o regresso para a reabertura, no período da tarde. O terceiro e último período ocorre a partir do fecho da loja (entre 18h e 20h) até a hora em que os patrões se vão deitar (sabe-se lá a que horas!!!).
Durante esse entretanto, de ciclos de trabalho diário, os empregados por serem considerados, sem motivo comprovado, ladrões, ficam confinados à espaços limitados, geralmente varandas traseiras, vão de escadas ou na parte traseira das carrinhas dos patrões, muitas vezes sem condições para satisfazer as suas necessidades fisiológicas básicas, quer sejam as necessidades menores ou maiores como beber um copo de água. Já agora, em que dimensão fica esta última necessidade vital?
Como se não bastasse actos poucos desabonatórios para com os hábitos culturais desta gente e para além de labutar mais do que o tempo que é humanamente possível e aceitável, esta classe de trabalhadores (nem vale a pena aludir aos salários, que são uma vergonha), quando adoence, mesmo que justifique convenientemente (ainda que seja verdade que um atestado médico se compra nos hospitais), lhe é cortado o magrérrimo salário e não usufrui dos direitos morais de uma licença de parto e de férias com vencimento e de um subsídio de nojo, em caso de falecimento de familiar directo.
*fulana
8 comentários:
Amiga Ximbitane, emocionaste-me com este texto. E um verdadeiro grito de mulher e agora duvidas nao tenho de que es grande mulher e mulher combatente. Se todos nos tivessemos o dom de temarmos a dor dos outros pelo nosso, o mundo teria mudado. Nao haveria exploracao, violencia, guerra, intrigas e, sobretudo humilhacoes...Parabens
Xim, contas uma grande verdade. Deixe-me dizer, que as que tem a sorte de serem asseadas e bonitinhas são vitimas da patroas que as considenram potenciais chifradoras, heheheh.
Sabes que lá em Nkobe, este último dado conta muito na análise de uma candidata
Este é de facto um problema sério e que representa um resquício da mentalidade e da postura do período colonial.
Gostaria apenas de recordar o que foi dito até à exaustão nos primeiros anos da independência. O explorador não tem cor nem nacionalidade!
A burguesia estrangeira foi substituída pela nacional, na perspectiva “modernaça” de que o que é nacional é bom.
A história, como o vento, não se trava com as mãos e, inevitavelmente, outras gerações, outras mentalidades surgirão, em cena, para bem do desenvolvimento e da justiça social em Moçambique
Um abraço de esperança, no Futuro
Bihale, obrigado! Também nao estou isenta de minhas culpas, nessas "Estorias em Maputo", mas faço o que posso. Por exemplo, a minha empregada, nunca trabalha nos feriados! As dores dela, como mulher, sao também minhas.
Se para mim, como mae, é triste sair de casa enquanto a minha filha dorme e so a vejo perto das 18h30, o que deve ser para uma empregada que sai enquanto a criança dorme e volta... enquanto a criança ja esta de novo a dormir?
Oh, Saiete, disso sei e muito bem. Quando estou na rota para o trabalho, frequentemente oiço as empregadas a fazerem esse tipo de comentarios. "Veja que a irma da minha patroa precisa de uma empregada. Levei a Martinha mas dizem que nao pode trabalhar porque é jovem e bonita, senao vai atacar o patrao"...
Bom a este assunto volto em breve, quando falar de outro tipo de empregados. Aguarde, Saiete
Amén, Agry, amén!
Ximbi
se eu dissesse algo iria criar apenas repetir o que já disseste.
abracos
Bamo, ainda ha algo a acrescentar sim: temos que mudar de postura face aos nossos semelhantes. O privilegio de sermos os provedores do salario desta classe, nao nos faz diferentes deles afinal respeito é bom e todos gostamos.
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