quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Estórias em Maputo (36)

Há coisas para as quais o comum e pacato maputense não pode fugir no seu dia-a-dia. Dentre esses aspectos, está o uso, sobretudo nas manhãs e ao fim do dia, do transporte semi-colectivo de passageiros, vulgo chapa. Chapa 100, um antigo referente do valor a pagar pela viagem, de cuja simbologia ficaram apenas as expostas e cortantes chapas da carroçaria e o seu desventrado e perfurante interior.


Num chapa, para além do habitual encurtamento de rotas, que todos usuários vivem no bolso e na pele, ocorrem outros fenómenos stressantes : pugilato para aceder ao mesmo, velocidade vertiginosa, malabarismo na via, som com décibeis dignos de fazer inveja a muita discoteca, cobradores mal encarados, indisciplinados e arrogantes e, claro, a presença constante de guindzas que sorrateiros espreitam toda e qualquer oportunidade.


Oportunidade essa que se oferece quando o cobrador, sem modos absolutamente nenhuns, em alto e bom som, ordena e impele rudemente os passageiros a ocuparem todos os espaços, em completo desrespeito a postura do esqueleto humano. Claro, o passageiro safado aproveita-se desse arranca-acelera-vira-revira-trava para roçar e apalpar a curvatura feminina indo ao extremo, com visível prazer, de encoxar e assim realizar os seus mais profanos devaneios.


Ainda nessa vertiginosa viagem, com destino previamente traçado, mas que pode ser subitamente alterado, por um tipoliça esfomeado, por uma paragem em sentido contrário repleta de potenciais clientes, por uma avaria ou pela incerteza que é a vida, um misto de adrenalina e medo transparece no semblante dos viajantes que, ao contrário da team que só pensa em chegar em primeiro ainda acreditam que « encher não é acomodar » e « correr não é chegar ». Chapa ntsém!

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